Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002Crônicas

E agora?

Dizem que nas escolas de jornalismo, quando o calouro pergunta ao professor “O que é notícia?”, o mestre responde: “Se um cachorro morder um homem, não é notícia, mas se um homem morder um cachorro, isso é notícia”. Ou seja: saiu da rotina, é notícia. Duro, mesmo, é ter sensibilidade para distinguir o que merece ou não ser publicado. E aí, vem a maior dificuldade: será que as escolas de jornalismo ensinam “sensibilidade”? Sensibilidade se aprende na escola? Essa discussão não acaba nunca. Talento “pra coisa”, por exemplo: a pessoa nasce com talento, e basta que ele seja despertado, ou é adquirido? A escola desperta o talento? Se o talento for nato, pode se perder?

Nem sei se a notícia de um fato, descoberto pelo nosso Bargas Filho e posta na Internet, foi publicada no Correio. Mas merecia. Tem todos os ingredientes: notícia, sensibilidade, talento e até a rotina. Como o Bargas trouxe a história para o jornal, está claro que ele tem talento e sensibilidade.

Mas o que me preocupa, mesmo, é o fato de, logo, logo, esse tipo de acontecimento que ele relatou virar rotina. Como já virou rotina bandidos e outros tipos de marginais humilharem nossas autoridades, policiais ou não, que estranhamente não reagem. Medo ou cumplicidade? Afinal, a vida humana é tão banal em Campinas, que a leitora Rose Marie Afonso escreveu, dia desses, no “Correio do Leitor”: “Nesta violenta Campinas, não sei se choro pelo falecido Fábio Chiantia (dentista assassinado na Barão de Jaguara) ou se por nós, que ainda estamos vivos”.

A notícia do Bargas saiu assim na Internet e o caso aconteceu em Campinas, juro por Deus: “Soldado é algemado por assaltantes na Vila Industrial — O soldado José Cláudio Santana de Lima, de 35 anos, que trabalha no 26º Batalhão de Polícia Militar (BPM), foi algemado pelo braço direito a um portão por dois assaltantes, às 23h45 de ontem, na Vila Industrial, em Campinas. Atacado de surpresa, o soldado teve que entregar seu revolver calibre 38 de propriedade da PM. Os ladrões, que aparentavam no máximo 16 anos, deixaram o policial algemado no portão e fugiram a pé. Moradores escutaram os chamados de Lima e chamaram a PM. Dois soldados que atenderam a ocorrência tiveram que arrebentar a fechadura da algema”.

Em Campinas, meus amigos, os bandidos já estão botando a polícia em “cana”. Com algema e tudo. Como diria meu amigo Miguel Jorge, vice-presidente da Volksawagen, mineiro de nascença, campineiro por opção, ponte-pretano por distração: “É mole?”. Não tinha nada de mais correr atrás dos moleques: afinal, eles ainda não devem ser eleitores e, portanto, não seriam dois votos perdidos por eventuais policiais interessados em disputar uma “boquinha”, na Câmara ou na Assembléia. Sabe como é: em ano eleitoral, todo cuidado é pouco. Um voto a menos e… quem paga a conta da campanha?

Da forma como deixam caminhar esta cidade, bandido prender polícia vai virar rotina, como já virou rotina campineiros morrerem nas mãos dos bandidos, sem que a polícia “e demais autoridades” se mexam. Nesta terra, se você for assaltado, chame o ladrão e ligue para o Bargas, para ver se o fato ainda será “notícia”.

Pregado no poste: “Ponto de Perua, mas não de garota de programa”.

 

 

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