Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Dia dos vivos

Hoje é dia de celebrar os vivos. As pessoas queridas não morrem. Como podemos considerar mortos aqueles que, embora não respondam aos nossos apelos, estão sempre presentes em nossa lembrança, influindo em nossa conduta, às vezes alertando nossa consciência? Muitos destes estão mais vivos do que quando viveram. Parentes, amigos, vizinhos, professores, médicos ou figuras ilustres que só conhecemos à distância, mas despertaram nossa admiração — gente cuja “partida” é tão inacreditável, que não aceitamos nem nos damos conta nunca. Cada um de nós tem um “elenco” de pessoas assim, que ora imaginamos no Céu, mas não deixam nosso cotidiano, simplesmente porque é impossível viver sem elas. Hoje é o dia dessas pessoas.

Não há por que lamentar a única conseqüência inevitável, irrecorrível, da vida. Então, vamos homenagear essa gente em vez de chorar por elas. Estão todos aí. Ou você consegue passar um dia inteiro sem se lembrar de alguém que “morreu”? É impossível. Eles são necessários, imprescindíveis. Portanto, não morreram. A qualquer momento, vamos encontrá-los e essa é a única certeza incontrolável da vida.

Todos somos frutos de alguém que não está mais aqui e a maior parte do mundo que habitamos também é obra de quem não está mais nele. Somos todos herdeiros. Enquanto moramos nessa herdade, vemos os que honram e aprimoram essa herança e os que preferem destruí-la — nestes tempos, infelizmente, os degenerados parecem maioria. São os que não têm de quem se lembrar com carinho, simpatia ou admiração. Desgraçadamente, não lhes restou ninguém capaz de lhes vir à memória para, no momento certo, numa hora decisiva, despertar-lhes a consciência e desviá-los para o caminho da lucidez e do bom senso. Também são os que, quando “morrerem”, morrerão.

Não estou me referindo a mitos, paixões, mártires, heróis, ídolos ou santos. Estou falando de gente como a gente, pessoas que durante bom tempo estiveram ao nosso lado, participando da construção do nosso dia a dia, fazendo de nossa vida parte da vida delas e que, de repente, só Deus sabe porque, precisaram partir. Gente que simplesmente deixou o nosso lado e passou a viver em nossa alma, a habitar nossa mente. Essas pessoas não merecem, então, ser homenageadas? Portanto, não podemos cultuá-las num dia dedicado aos mortos. Não merecem essa atitude de nós.

Em vez de acender uma vela, que tal erguer um brinde? Troque o caminho do cemitério por um passeio a lugares que freqüentavam juntos. A livraria, o cinema, o jardim, o campo de futebol, a casa de um amigo comum, o boteco da esquina — por que não? Ou alguma vez vocês foram passear no cemitério? Isso não é vida. Missa de ação de graças, mas nunca rezar para que essas pessoas “descansem em paz”. Queremos mais é que elas continuem em nossa companhia. Não vamos matar nem nos esquecer dos que sempre dividiram conosco nossas alegrias, nossas tristezas, nossas vidas enfim.

Como anda cantando, cada vez melhor, a Elis Regina, “viver não me custa nada, viver só me custa a vida…”

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