Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Desfile na Treze

Juro. Vi desfile de escolas de samba no Carnaval de Campinas na Rua Treze de Maio. Algumas lojas abriam à noite para exibir nas vitrinas, uma mais linda do que a outra, suas fantasias e alegorias. Os vitrinistas foram nossos primeiros cenógrafos, como o Arlindo Rodrigues, da Mangueira. Quem tem mais de 50 há de se lembrar de grandes vitrinistas, como os irmãos Aldo e Domingos Bergantim, por coincidência meus tios, do mineirinho Romeu…

Havia concurso de vitrinas de Carnaval, promovido pela prefeitura e pela Associação Comercial. Assim como havia disputa pelos cenários criados para o Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, das Crianças, da Vovó, do Sete de Setembro, do 21 de Abril, do Primeiro de Maio… Hoje, temos de ser bobos, reclusos, pra ficar em casa a ver TV e fugir da violência e da vida. Nem vitrinas existem mais. Cada uma era obra de arte. (Uma sugestão: já que falamos em obras de arte destroçadas, por que não fazer um pôster da Treze, bem emoldurado e assinado pela autora?)

Pense bem: você acha que algum lojista teria coragem de deixar suas vitrinas acesas até meia-noite, para que o povo visse depois do fim da segunda sessão dos cinemas, da última aula das escolas noturnas, de enfermeiros e enfermeiras que trocavam de plantão àquela hora ou dos padeiros a caminho da primeira fornada? E a sanha dos ladrões? E a vingança de camelôs revoltados? É gozado: vendem produtos falsificados ou pirateados pelo crime organizado; não dão nota fiscal; não pagam imposto; não contribuem com nada e ainda querem atenção. Mas se existem, é porque há cúmplices que compram. Assim como o usuário de droga financia o tráfico e a violência, quem compra de camelô é sonegador de impostos e consumidor de produtos desonestos.

Muita gente nem imagina o que seja uma vitrina. Será que a meninada sabe quem foi Tiradentes? E dom Pedro I? O que se comemora no Primeiro de Maio? Vitrina de shopping não vale, não tem cheiro de rua, de pipoca, de algodão doce, sorvete, raspadinha de groselha, machadinha, pé-de-moleque, ou paçoquinha. E o gostinho de se abrigar na loja enquanto o chuvisqueiro não passa? Ou de jogar conversa fora com o vendedor. Será que algum freguês ainda pergunta “Vocês vendem isso a como?” ou “Quanto é o metro dessa fazenda?”; “O senhor não tem em outro padrão?”; “Esse pano é infestado?”; “Esse biscoito é sortido?”. E os nomes dos panos? Fustão, sarja, morim, cambraia, gabardine, lã cridélia, linho 120 (120 fios por centímetro quadrado), chita, gobelin (liso ou estampado?), veludo cotelê, camurça…

Treze de Maio! Pobre Treze de Maio! Sua última foto, rua querida, exibe uma Hiroshima’ gerada no caos da cabeça de uma prefeita que nunca foi e ainda teremos de bancar prejuízo de R$ 3,5 milhões, causado pelo vandalismo do poder. Para a turma dela, quanto pior, melhor. Pensam que defendem os miseráveis, mas só sabem adorar a miséria; invejam a prosperidade de quem sabe e tem vontade de trabalhar; desdenham a luminosidade de Campinas como os jagunços getulistas de 32 invejavam o resultado das nossas riquezas. Riquezas traduzidas em escolas, centros de pesquisa, monumentos, obras de arte, belas igrejas. Invejavam e, como não tinham vontade nem competência para fazer igual, destruíam. Nunca entenderam que fazer significa trabalhar. Essa palavra – trabalhar – só existe no discurso — na prática, tudo é uma enorme Treze de Maio, ferida aberta pelo poder em cada canto da cidade.

Nenhuma escola desfilaria nessa Treze de hoje. O cenário é triste, macabro, não combina com a alegria do Carnaval nem de qualquer data festiva. Aliás, como deixaram Campinas, ela não merece festas, só missas – de réquiem.

Pregado no poste: “Quando os homens (e mulheres) exercem seus podres poderes…”

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