Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2001Crônicas

Desculpa esfarrapada

Esta crônica era para se chamar “Conversa de botequim” quando chegou a carta, escrita por um anônimo movido a álcool. Mas ao terminar de ler a narrativa do pinguço inveterado, lembrei-me de que não são só os bêbedos que justificam os fins e os meios para não largar da bebida. Fumantes, jogadores, gordos (principalmente os gordos), boêmios, apaixonados – todos sempre têm uma resposta na ponta da língua, da alma ou do cérebro, para continuar vivendo perigosamente.

O Roberto Godoy e eu, por exemplo, quando pesávamos, juntos, pouco mais de vinte arrobas (e vivíamos fugindo de donos de frigoríficos), tínhamos uma teoria cientificamente desenvolvida para nos livrar da culpa de almoçar num desses rodízios de beira de estrada. E quase todo dia aparecia um rodízio na beira de uma estrada. Juro que nunca marcamos entrevistas para reportagens fora de Campinas em função da hora do almoço. Pura coincidência. Só que acontecia sempre… O fotógrafo Toninho Erbolato estrilava: “Não como em rodígio”. Mas também se rendia.

Certa vez, o Estadão nos mandou a Pirassununga, para denunciar que a festa da Piracema estava comprometida pela poluição do Rio Moji-Guaçu. Até peixes deformadas viviam naquele rio, de tanto veneno. Terminarmos a reportagem bem na hora do almoço e decidimos comer uma (desculpe, foram várias) peixada antes de voltar para Campinas. O dono do restaurante jurou que os peixes servidos ali vinham de Mato Grosso. Então, aproveitamos. Nossa Senhora, como a gente comeu! Depois das sobremesas, o garçom veio com o cafezinho. Para adoçar, o Beto pediu o frasco de Suita. O garçom quase “matô nóis”.

Outra vez, foi no Benetti, aqui na Anhangüera, perto de Santa Rita do Passa(m) Quatro. A melhor carne do mundo. Um dia, um índio comeu onze quilos de carne ali. Parece que morreu. Quando entramos a primeira vez, disse para o grande repórter: “Só pode ser bom. Pelo menos é limpo. Veja lá na cozinha aquela velhinha lavando o alface. Lava como minha avó, você não acha?”. Entramos. Difícil foi sair. Nossa teoria convenceu a todos os fregueses, que comeram como nunca naquele dia; prejuízo certo para o Benetti: “Essa gordura que a gente vê na lingüiça, na costela, na picanha, no cupim, em todas as carnes, já engordou o porco, a vaca, o boi, e não tem mais ação nenhuma no corpo da gente. Podem comer à vontade; ninguém engorda comendo carne engordurada.”.

Agora, veja o que diz a carta “Reflexões sobre o consumo do álcool”:

“Uma manada de búfalos se move com a velocidade do búfalo mais lento. Quando a manada é caçada, são os búfalos mais fracos e lentos, em geral doentes, que estão atrás do rebanho, que são mortos  primeiro. Esta seleção natural é boa para a manada como um todo, porque aumenta a velocidade média e a saúde de todo o rebanho pela matança regular dos seus membros mais fracos. Assim, o cérebro humano também pode agir mais depressa eliminando seus neurônios mais lentos. Beber álcool em excesso, como sabemos, mata neurônios mas, naturalmente, ataca os neurônios mais fracos e lentos primeiro! Daí o consumo regular de cerveja eliminar neurônios mais fracos, tornando seu cérebro uma máquina mais rápida e eficiente. Mais: 23% dos acidentes de trânsito são provocados pelo álcool. Isto significa que 77% dos acidentes são causados por pessoas que bebem água. E ainda fazem campanhas contra o álcool!”.

Pregado no poste: “Quem cabrito tem e cabra não tem, de algum lugar vem – Chico Lopes”

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