Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Cuidado, senhor juiz do dérbi!

Sou do tempo em que juiz de futebol era chamado de ‘sua senhoria’. Mas a mãe dele já era famosa. Hoje, têm de se falar “árbitro”, para não confundir, porque, afinal, nenhum juiz é ladrão, não é mesmo? Nem o Lalau.

Hoje, teremos dérbi em Campinas. A Ponte Preta enfrenta o time de um clube que já foi formado por grandes craques, campeão brasileiro, até. Devia estar na Segunda Divisão do campeonato paulista — caiu, mas não desceu. Agora, está na lanterna do Brasileirão. Se cair, também não vai descer? Ser campeão brasileiro é facil; quero ver é cair e não descer. Isso é que é façanha!

Mas o bom campineiro e bugrino daqueles tempos, o senhor José Gomes, me manda uma história saborosíssima, única na história do futebol mundial, segundo ele, que tem memória de manada. Gente, naquele domingo, 18 de agosto de 1946, houve um dérbi no “pastinho” da Rua Barão Geraldo de Resende, então campo do Guarani. Era o campeonato da Liga Campineira de Futebol. O Bugre ganhou de 3 X 0, o time da Ponte fugiu de campo e… e… Seqüestraram o juiz, meu! Está tudo lá no ‘Correio Popular’ de 22 de agosto, que o senhor José Gomes me enviou. Aldo Bernardi, de São Paulo, apitou o “prélio” – é assim que se dizia na época. Também chamavam de cotejo, porfia, pugna, embate, confronto, choque, encontro, duelo (duelo de 22?)…

O repórter que escreveu a notícia devia ser pontepretano. Chamou o juiz Aldo Bernardi de “cafajeste homem de preto”! Se o Renato Otranto escreve isso hoje, amanhã nosso chefe Marcelo Pereira tira ele da redação de cabeça…

Mas foi assim. Inconformados com a arbitragem ‘escandalosa’ do Aldo Bernardi, os jogadores da Ponte fugiram de campo (O quadro da Ponte: o goleiro se chamava Barômetro, vê se pode… Depois: Alcides, Bráulio, Belém, Nego, Nascimento, Damião, Bruninho, Edmir, Lima e Armandinho. O técnico era o querido José Agnelli, que morreu ano passado, aqui em Ribeirão Preto). O Guarani era de Renê, Nenê, Tiziani, Mário, Silva, Pavuna, Bibiano, Otávio, Caio, Zuza (grande Zuza!) e Nardinho. O nome do técnico bugrino não aparece. Com um timaço desse, pra quê técnico?

Dois dias depois do jogo, quatro pontepretanos inconsoláveis e furibundos – Miguel Calábria, Otávio César, Tufi Jorge e Hermínio César – foram de carro a São Paulo tirar satisfações do juiz. Na casa dele, pegaram o homem de pijama e deram-lhe uma prensa. Acuado, ele se vestiu correndo e topou confessar, na sede da Ponte, que recebera três contos de réis de um jogador do Guarani, para favorecer o Bugre. Viajou com os quatro para Campinas, vestindo camisa, paletó, calça e sapatos sem meias – não deu tempo.

Na sede da Macaca, que ficava em cima do Giovanneti, foi “inquirido” pelos pontepretanos furibundos, pelos diretores Edgard Ariani e Fernando Beltrão Castilho, pelo delegado-adjunto Queiroz Magalhães e por Elias Hadad, da Junta Disciplinar Desportiva, da liga de futebol. Negou tudo. Disse que fôra acuado desde que saiu de casa até Campinas. Levado à Delegacia Regional de Polícia pelo delegado Tavares Monteiro, negou de novo, e disse que os furibundos ofereceram a ele dez contos de réis para denunciar o suborno de um jogador do Guarani. Jogador cujo nome nunca foi revelado.

A Federação Paulista de Futebol entrou na história e o jogo foi anulado. Como sempre, a Ponte não ganhou, mas o Guarani não perdeu…

Pregado no poste: “Quem nasceu para bugrino ignora esse Guarani”

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