Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Cria fama e deita na cama

Ele está de cara amarrada até hoje. Ainda guarda uma fotografia, para provar a carranca que armou naquela noite, começo de 1967, na porta da sede do glorioso Cosmopolitano Futebol Clube, esteio do futebol da região. O Cosmopolitano, claro, era o eterno campeão invicto do campeonato de… Cosmópolis. Justo em sua terra natal, que não visitava havia anos, amigos de infância duvidaram da “machice” dele. Quando chegou, teve de ouvir um coro unânime: “Bicha! Bicha! Bicha!”

Vamos contar essa história direito, do princípio ao fim, dando nome aos bois – bem, pelo menos de parte da “boiada”. “Ele” é o centro-avante Luís Carlos Rossi, vulgo ‘Lemão’, craque de todos os times de futebol nascidos e morridos lá pras bandas do velho Centro de Saúde e nas manhãs de sol, chuva ou lua do Regatas, hoje químico nas horas vagas, posto que ainda joga. Mas o craque da família, mesmo, é o filho Rodrigo, jornalista, também nas horas vagas.

A irmã, digna representante de uma estirpe de professoras, daquelas que Deus não faz mais por desilusão com o ensino no Brasil, lecionava no grupo escolar da cidade; início de carreira, dedicação à toda prova. Não existia, ainda a “associação de pais e mestres”. Quem ajudava a sustentar a escola era a famosa “caixa escolar”, que se completava com quermesses, leilões de prendas, rifas e festas juninas.

Aí, a irmã Estela, hoje “Vovó Estela”, inventou de fazer um desfile de modas para arrecadar dinheiro e engordar a “caixinha” do Grupo Escolar “Rodrigo Otávio Langard Menezes”. Desfile de modas em grande estilo, com manequins de maiôs, saias e vestidos de modistas de Campinas, e perucas, apliques e maquiagens do Elvis (lembra?). Modista… Ainda existe modista? Todas entraram na passarela com o cabelo recheado de bom-bril e dividido ao meio, emplastado de laquê, no melhor estilo Elis Regina n’O Fino da Bossa. E uma novidade: até as pernas eram maquiadas. Show para os meninos, escândalo para os pais.

A festa seria abrilhantada (palavra da época, também) pela orquestra de Ragi Baracat. Orquestra, modo de dizer, mas tocava muito bem. Ninguém se queixava. Está certo que um dia, cobrindo para a Rádio Cultura um baile animado pelo Ragi, o Fausto Silva saiu-se com esta: “Toca tão bem, que o garçom deixou cair a bandeja no intervalo e a moçada saiu dançando…”. Sério!

E quem vai apresentar o desfile? Tinha de ser alguém muito especial, conhecido de toda a platéia, cuja fama varasse as fronteiras de Campinas. Quem? Coube a esta vítima que vos escreve convencer entre duas personalidades muito conhecidas e queridas da cidade, na época: o ator, pintor, médico, carnavalesco e humanista Carlito Maia ou o excelente radialista, advogado e jornalista Orlindo Marçal. Ninguém menos do que um deles.

O Marçal topou, mas um imprevisto fê-lo desistir às seis da tarde. E agora? E se o Carlito não puder? Que falta de educação falar com ele, assim, em cima da hora! Gentil e cavalheiro como sempre, aceitou. Num elegante terno dourado revestido de lamê da mesma cor, colete e gravata idem, embarcamos o querido Carlito num Dodge verde-abacate (para rimar com Ragi Baracat), ano 1949, quatro portas. De Campinas a Paulínia, asfalto; depois, terra, poeirão até Cosmópolis. Carlito impávido.

Chegamos meio atrasados. Ao descermos do carro, veio o coro: “Bicha! Bicha!”. Carlito virou-se para o ‘Lemão’ e disparou, numa rajada de ironia: “Parabéns! Você ainda é muito conhecido em sua cidade!”.

Pregado no poste: “Cubano faz greve de fome em Salvador: força do hábito?”

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