Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2007Crônicas

Contágio

No Brasil, a história dos corruptos é a história de sucessos; vida bandida é a doce vida. Prova: o bando de desclassificados solto por aí depois de cometer atrocidades contra a Nação. Resultado: o exemplo contagia e contamina a sociedade de alto a baixo. Até em Campinas. Não preciso falar mais nada, após o relato desta ilustre senhora que não perde a indignação:

Deveria ligar para a Emdec, mas teria de me identificar. Há pouco tempo, liguei e dei todas as informações. Dias depois, descobri que o cobrador e o motorista de quem eu reclamei eram vizinhos de minha mãe. Tive medo.

Sou idosa, tenho direito de viajar dentro de Campinas gratuitamente. Vejo cobradores liberando a catraca com o cartão do idoso que continua sentado no banco da frente, sem passar para a parte de trás do ônibus. Um dia, isso aconteceu comigo também. Manifestei meu descontentamento, fui ofendida e humilhada pelo motorista e pelo cobrador. Disseram que eu estava viajando de favor e, para completar, chamou minha mãe pelo nome e recomendou que ela me aconselhasse a ter cuidado com o coração.

Domingo à tarde, tomei um ônibus quase vazio na Avenida das Amoreiras. O cobrador veio ao meu encontro ainda na porta e me convidou a sentar na frente. Maravilha, que rapaz educado! Estou mesmo em Campinas? Dei um sorriso de gratidão (você sabe que velho é carente, né?). Falei: ‘Ah, você não quer que eu vá para trás?’ Veja bem, a boboca aqui estava só pensando bem do moço. Ao guardar meu cartão roxo (cartão de idoso tinha de ser roxo?), o dito cujo, antes mesmo de eu abrir a bolsa, pegou o cartão da minha mão. Não sei a cara que fiz, mas deve ter sido de muita surpresa pela ousadia dele. Sabe o que ele me disse? ‘É para o nosso cafezinho…’ Não disse uma palavra e continuei ali sentada. Viajando e ruminando aquele desaforo de, às custas da minha velhice, o malandro tirar proveito.

De repente, a inconformada aqui criou coragem: levantei-me e passei pela roleta, que estava destravada. Ele, todo prosa, contando vantagens para o motorista, que me pareceu novo na linha, não deu um pio; ficou caladinho vendo frustrar o seu cafezinho.

Quando desci, decidida a ligar para a Emdec, pensei bem e resolvi não fazer nada. Estaria entregando um cobrador, quando já vi outros fazendo a mesma coisa.

A Emdec deveria seus funcionários de que isso também é desonestidade. O dinheiro de uma passagem é só um grãozinho de areia nesse mar de lama, mas faz parte da lama.”

Pregado no poste; “Porque a coleta de lixo é tão cara? Perguntei ao seo Toninho, mas ele morreu…”

 

 

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