Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2010Crônicas

‘Coisas que não podem ser tocadas’

Aqui, Moacyr Castro falando: o título acima e o texto a seguir são dessa campineirinha, uma das pessoas mais importantes da história. Pelo que ela faz para o mundo. Por isso, já é imortal.  Psicóloga e musicista, Fabiana é a primeira cega congênita a defender tese de doutorado na Unicamp: “Do troque ao som: ensino da musicografia Braille como caminho para educação musical inclusiva.”. Desde setembro, ela escreve artigos como esse no e-braille, hospedado no portal do Cosmo. Paro por aqui, porque a emoção não me deixa ir adiante. Sempre tive orgulho da Fabiana, há muito me envergonho desta cidade, que não tem um teatro digno de sua gente de valor pra se apresentar. Não se preocupe se há coisas que não podem ser tocadas, Fabiana, porque você toca a alma da Humanidade.

“Horizonte, luz, brilho, reflexo, aurora, pôr-do-sol, céu, estrelas, lua cheia, nuvens… Todas essas coisas não podem ser tocadas. São, a princípio, conceitos estritamente visuais. Não se pode apalpar o pôr-do-sol, nem segurar com as mãos a linha do horizonte.

Por isso, para as pessoas com cegueira congênita, todas essas coisas são abstratas. São vistas apenas com os olhos da imaginação. Mas será que isso faz com que nós, cegos congênitos, tenhamos idéias mais empobrecidas a respeito dessas coisas? Na verdade, mesmo para quem enxerga, esses conceitos são em parte subjetivos. O horizonte, por exemplo, é uma ilusão que se cria ao olhar, a partir do “encontro” entre o céu e a terra.

E repare que, quanto mais subjetivos são esses conceitos, mais belos eles se tornam. De fato, é bonito poder saber o que é a luz, sem depender da visão. Nós, que não enxergamos desde o nascimento, formamos nossa própria idéia a respeito da luz, mesmo que nunca a tenhamos visto. E quem poderá dizer que nosso conceito de luz não seja verdadeiro?

Também é bonito pensar no horizonte como uma perspectiva, um ideal, uma meta a ser alcançada. Além disso, talvez a imaginação faça com que a aurora, o pôr-do-Sol ou a Lua Cheia sejam mais belos e mais ricos do que realmente são.

E o que dizer sobre a imagem de nós mesmos, aquela que as pessoas costumam ver diariamente no espelho?

Para nós, cegos, esta é uma imagem construída apenas internamente, a partir do que sabemos sobre nós e a partir de como nos percebemos.

Pode-se dizer que, nós que não enxergamos temos o privilégio de expandir aspectos de nossa subjetividade, e criarmos, a nosso modo, todos esses conceitos. Foi-nos dada a liberdade de transformá-los em imagens poéticas, tornando-os plenos de sentido!

Em nossa poesia, podemos, sim, sentir o pôr-do-sol; acariciar as estrelas; contemplar o brilho de um olhar; apaixonar-nos à luz da lua; tocar a linha do horizonte…”.

Pregado no poste: “Cegas são nossas autoridades”

 

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