Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Cheia de graça

Não é a garota de Ipanema, mas se você se encantar, ela vai levá-lo num doce balanço a caminho do sol, daqui a pouco. Ao meio dia, se você olhar no fundo de um poço, verá o sol e seu brilho supremo refletidos nas águas. Sua sombra? Olhe em volta: sumiu! Um espetáculo da natureza que só acontece nos trópicos. Tudo por obra e graça da mãe de Jesus, Nossa Senhora da Conceição, padroeira desta e de milhares de cidades e de milhões de cidadãos da cidade e do campo. Muita gente nem sabe por que hoje é feriado, mas para quem tem fé, este é o mais brilhante dos dias. O cientista Evaristo Miranda, pai do Daniel, um homem “assim” com os santos, topou me ajudar nesta crônica, para falar com propriedade sobre este dia. Conte tudo, meu amigo:

Ela anuncia a passagem do sol pelo zênite na cidade de Campinas, ao meio-dia, ocupando o centro exato da esfera celeste. É um momento cósmico especial. Tempo de ler a fala oracular dos céus, como fizeram, há dois mil anos, os reis magos (cientistas, e os primeiros, por caminhos matemáticos, a “descobrir o Cristo”). Neste dia da Imaculada, ao meio dia, não há lugar para sombra, mácula ou nódoa. Tudo brilha iluminado. É o calor de Deus.

A festa na cidade lembra a palavra da Escritura (anunciação), segundo a qual Maria foi sempre a Virgem “cheia de graça”. O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado por Pio IX em 1854. Maria, como virgem e mãe, não se insere na linhagem das mulheres famosas do Velho Testamento. Ela se separa dessas mulheres pelo evento da Imaculada Conceição e da concepção virginal. Maria segue virgem mesmo depois de conceber. Mulheres estéreis milagrosamente concebem na história bíblica (Sara, Ana, Isabel…), mas a maravilha de Maria vem de que ela concebe sem conhecer homem. Assim, a virgindade de Maria não a impede de ser mãe e nem o fato de ser mãe de Jesus coloca em questão sua virgindade.

Essa situação única deve-se ao desígnio de Deus que, por Maria, quis encarnar-se na história humana. Seu ventre sempre foi visto como a mais fabulosa catedral pelos místicos. Virgem e mãe: essa novidade designa o mistério que Deus realizou, fazendo de Maria mulher entre as mulheres, a mãe do seu próprio Filho. Por ela e nele, Jesus se encarnou, irrompendo na história humana. A Imaculada Conceição de Maria é a garantia de que o mal jamais prevalecerá sobre os que depositam em Deus a sua confiança. Por ela, vem a exclamação mais comum entre os homens: “Nossa!”. É a busca inconsciente de sua proteção diante do espanto. Acertei, doutor Evaristo?

Maria participa plenamente do mundo e não pode ser confundida com uma deusa, dessas que eram objeto de culto na Antiguidade. Não está fora nem acima da humanidade. Ela pertence inteira a essa humanidade com quem Deus quis coroar sua criação. É como mulher, em primeiro lugar, que Maria deve ser considerada. Uma mulher entre as mulheres (Bendita és tu entre as mulheres…), como as mulheres de nossos dias, que conheceu, como a maioria, a condição de esposa e mãe. Maria é aquela a quem os pobres se dirigem na busca de reconforto e consolo.

Essa proximidade materna e humana, esse rosto de ternura e compaixão, fazem com que nos lembremos dela na tristeza e na alegria. Os homens percebem em Nossa Senhora uma mulher “da gente”, uma criatura de Deus, uma pobre de Israel, cujo rosto tão humano segue habitando a fé e a esperança dos humildes.

Ela é a “Árvore da Vida”. Qual é o fruto do ventre dessa árvore? Jesus. Quem O aceita como fruto de Maria aceita a árvore. Quem rejeita Maria, que é a árvore, rejeita Jesus, que é o fruto. Ou se aceitam Jesus e Maria ou se rejeitam a ambos.

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