Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Chame o ladrão

Notícia ruim corre logo. Para a boa (notícia) ninguém liga. Será que faz parte da índole da gente dar mais atenção ao que é ruim e quase nenhuma ao que é bom? Experimente fazer uma conta: vá folheando os jornais e observando cada notícia. No fim da edição, veja quantas eram positivas, negativas ou mais ou menos. Espere aí! Antes de começar, um aviso: se você é bugrino ou ponte-pretano, derrota do Guarani não pode ser contada como notícia boa pelo torcedor da Ponte nem vice-versa.

Combinado?

Como nosso “Correio” demora pra chegar a Ribeirão Preto (essa é uma notícia ruim), vou me valer da lista que a nossa Wanda Jorge colocou na Internet, dia desses.

Logo de manhã cedinho, o dia já começou mal: “Cadernetas de poupança com aniversário hoje serão reajustadas em 0,9153%.”. Enquanto isso, quanto está a taxa de juro nos bancos? Depois, veio a informação da morte do Dias Gomes.

Em seguida, a relação dos principais fatos daquele dia. Outra seqüência de tragédias nas terras de Bill Clinton (o mundo inteiro), FHC (o Brasil, que ele pensa que governa) e seo Pagano (Campinas, a terra de ninguém). “É de pasmar!”, diria Antônio Carlos de Júlio.

Ao todo, o rol da Wanda parecia um rol de roupas sujas, tamanha a imundície do mundo. Foram 69 notícias. Desse total, só 19 eram boas; nove mais ou menos e 41, ruins. Algumas são boas para muitos e ruim para outros, como a que anuncia o enterro do fundador do “Comando Vermelho”, aquela gang que há anos manda, de fato, no Rio de Janeiro. Outras deixam dúvida: “Ressaca no Rio começa a diminuir” (É o mar se acalmando ou a bebedeira dos cariocas passando?). Há notícias leves: “Nevoeiro atrapalha pousos e decolagens no aeroportos de São Paulo”; mas outras pesadas: “Ladrões carregam cofre de banco em Conchal”…

Uma verdade: no fim do dia, todos se esquecerão das boas e das más notícias para comentar apenas esta: “James Bond gay pode ser filmado”. Não houvesse preconceito, nem seria notícia, mas ainda provoca reação, polêmica. Ainda mais se o fato for apimentado pelo repórter. Se alguém se dispuser a fazer um jornal só de notícias curiosas, que surpreendem, creio que vá se dar bem. E os leitores vão se dar mal, porque saber o que se passa, de bom e de mau, é preciso. Por isso, a lista da Wanda está recheada de explosões, atentados, corrupção, invasões, trapaças, ameaças, greves, maus patrões, roubos, abusos…

Em meio a toda essa tragédia, uma que resume todo esse estado de calamidade pública e privatizada. É o retrato do Brasil. Imagine que chegou o dia em que a diretora de uma escola foi pega roubando a merenda das crianças, com a cumplicidade do marido, que é sargento da Polícia Militar. É a autoridade moral (professora), em conluio com a autoridade policial (o sargento), casados na vida real (!), saqueando alimentos de uma escola.

Mentira? Pergunte pra Wanda. Assim diz a notícia: “Diretora é presa roubando merenda escolar — Maria Margarida da Silva foi presa em flagrante quando roubava merenda escolar estocada no depósito da escola ‘Eduardo Baiana’, na periferia de Salvador. Ela estava acompanhada pelo marido, o sargento da Polícia Militar Domingos Silvander.”.

Pregado no poste: “As aves que aqui dão gorjeta não dão gorjeta como lá”

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