Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Cem anos depois

Foi assim: na hora do lusco-fusco, quando o sol não sabe se vai ou se fica mais um pouco, eu voltava a pé pra casa pela Avenida Paulista e encafifei com alguns bichos que voavam em volta da torre da TV Globo. Serão pombos? Não. Muito grandes. Parei e fiquei olhando. Um homem parou e começou a olhar também. Aos poucos, a rodinha foi se formando (Paulistano é louco pra fazer rodinha na rua; rodinha e fila.). Até que o dono de uma banca de jornais desfez o mistério: “São morcegos. A esta hora, eles saem das árvores do Parque Trianon para comer insetos atraídos pela luz da torre.”.
Deu uma boa reportagem. A Globo nunca tocou no assunto, embora ele acontecesse em sua própria casa, “porque o doutor Roberto é supersticioso e acha que morcegos trazem mau agouro”, justificaram na terra do plim-plim. No dia seguinte, hora do almoço, lá estava eu escalando a torre, acompanhado de uma veterinária do Controle de Zoonoses da Prefeitura, para verificar se eram morcegos, mesmo, e, pior, “vampiros”, os hematófagos, que transmitem a raiva, como esse que apareceu aí no Edifício Francisco Glicério. (Quando estávamos no meio da escalada, meio-dia, disparou a sirene da Gazeta. De susto, quase despencamos. Barulho infernal.). Encurtando a história: o Instituto Pasteur informou que a raiva animal registrava 17 casos diários em São Paulo. Isso faz tempo: o presidente era o tal de Sarney.
Inspirado pelo bicho (nunca vi morcego inspirar alguém), o jornalista Augusto Nunes escreveu um artigo: “Os morcegos da Paulista e os ratos do Planalto”. O Sarney, ofendido, processou o Augusto. Um leitor, indignado, disse que os ratos é que deveriam processar o jornalista, por tê-los comparado a gente daquela espécie.
A repórter Renata Chueire, que alertou Campinas sobre os morcegos, também expôs nossas vergonhas. Como no início deste século (quando ignorantes se revoltaram contra o sanitarista Oswaldo Cruz, que mandou vacinar a população para salvá-la da peste bubônica), em Campinas, quase no início do século 21, há ignorantes que se recusam a vacinar seus animais. Contaminados, eles serão nossos assassinos.
Pregado no poste: “Candidatos devem se vacinar contra a corrupção”

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