Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2008Crônicas

Boa de doer

Quem mandou ao Roberto Godoy, para avaliar estilo e conteúdo, foi a professora Lurdinha Siqueira, aposentada e moradora em Caçapava, Vale do Paraíba: “Acho que é subsídio de inspiração para uma de suas crônicas.”. Também acho, Betão. Diga mestra:

“… aos sábados, o dia era dedicado a ouvir a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, do meio-dia ao cair da noite, quando terminava o programa de auditório César de Alencar, que metralhava palavras. Eu era incumbida de ligar o grande rádio Philco, dez minutos antes, para esquentar as oito (oito!) válvulas. Como era impossível ficar sentada durante tantas horas, minha mãe e uma vizinha, dona Laura, reuniam a roupa lavada que houvesse; alinhavam duas mesas de tábua cobertas com cobertores velhos e ficavam passando a ferro montanhas de pano.

Silêncio de convento era obrigatório no resto da casa a partir do momento em que o locutor César Ladeira anunciava em voz cadenciada ‘quando os ponteiros se unem para marcar as doze badaladas… num oferecimento do perfume Cashmere Bouquet…” e seguia-se uma tarde inteira com a ‘rainha do rádio’, o “cantor das multidões’, a “preferida da Marinha”, a “sapoti”, o “galã da Radiolândia” e de “alô-alô” aos “aviadores do Brasil”.

Era 1954 e eu me lembro de meu pai sentado na cadeira de balanço, fumando um dos seus fortes cigarros Mistura Fina, com o jornal no colo, aberto na página das palavras cruzadas, aumentando o volume para ouvir um humorista novato chamado Chico Anísio. Ah, os meus pais… Professor Zezinho, do Ateneu Paulista, e professora Marta, do Cesário Mota.

As vezes, nesses sábados de rádio Nacional, eu e minha irmã Cinira éramos convocadas para ficar ali, acompanhando o longo programa até que César de Alencar anunciasse a canção ‘Beijinho Doce’ e dissesse qual era o prêmio.. que poderia ser nosso. Ficávamos ali, plantadas. O casal sumia… Na volta, sorriso matreiro, papai distribuía bichinhos feitos com chocolate branco da Kopenhagen, da rua Barão.

Em uma noite de domingo, a canção foi mesmo apresentada no programa do Ari Barroso. Zezinho e Marta explodiram em gargalhadas que ficaram mais fortes, quando eu e Cinira, agitadas, queríamos saber quem seria o premiado. A vida era simples e deliciosa, tão boa que até doía…”

Pregado no poste: “Não se preocupe, Guarani! A CBF anunciou a Série ‘D’ para o ano que vem…”

 

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