Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Bem-vindo, grande Zé!

O comandante honorário e emérito da aviação comercial brasileira escolheu a terra de Viracopos para viver. Obrigado pela bela escolha, Zé Vasconcelos! Nós, os bairristas, não temos preconceito contra as pessoas decentes que decidem dividir nosso abrigo, nosso refúgio, nossa querência. Afinal, você é daqueles que partilham do ideal do Roberto e do Renato Côrte Real, que batizaram estas plagas de “República dos Estados Unidos de Campinas”. Sempre que você vier do Brasil para Campinas, será bem-vindo…

Admiro o Zé de longe, desde quando eu já era criança, e ele brilhava no rádio, na TV (quando havia TV no Brasil, lembra?), no teatro, nos discos, na vida. Um fato, para completar a entrevista que ele deu ao nosso João Batista César, na Correio Popular Revista: o Zé, batalhando a vida artística, se apresentou num programa de calouros, do Renato Murce, chamado “Papel Carbono”, se não me engano na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Zé fazia imitações. Tão bem imitou o próprio Renato Murce que ouviu do dono do programa: “Você vai trabalhar comigo…” Foi.

Sempre atencioso, competente e humilde. Tanto que pôde, sem risco de ser chamado de cabotino, colocar o nome jamais pretensioso de “Eu sou o espetáculo” num dos seus shows mais aplaudidos e num disco de grande vendagem. Novo até hoje. É nessa obra de arte que há uma piada famosa, aquela do Cadilac e do macaco (Se você encontrar o Zé pela rua, peça para ele contar, porque é ótima.). É nesse disco, também, que há uma sátira aos cine-jornais, que abriam as sessões de cinema. Numa, o Zé diz: “Um homem tão bem se disfarçou de árvore que foi serrado por um lenhador e hoje é poste telegráfico numa estrada do Alaska”. Outra: “Esta semana, na Bahia, foi aberto novo poço de petróleo; espera-se que o baiano não vatapá…”.

Nunca vi nem ouvi o Zé apelar para o caminho fácil da baixaria nem do humor grosseiro, a fim de fazer sucesso. Lotava os teatros porque atraía com a inteligência, o requinte e a ironia de sua arte de fazer rir  — uma raridade entre “humoristas” de hoje. Quero ver alguém, como eu, lembrar-se daqui a 40 anos de alguma apresentação, de uma piada que seja, desses medíocres que infestam a TV e os teatros de hoje. Duvido. É tamanha a vulgaridade e a desqualificação do que anda por aí, que poucos notam a elegância e o refinamento do Zé, quando ele aparece na TV. Estamos nos anestesiando com tanta imbecilidade.

Nunca conversei com o Zé, embora estivéssemos próximos em várias ocasiões. Na última, há pouco em Campinas, ele almoçava com uma pessoa no restaurante de um hotel. Ia pedir, pela primeira vez na vida, um autógrafo para alguém, mas dona Teresa Flora, aquela santa que mora aqui em casa, considerou “falta de educação” interromper quem não se conhece, “ainda mais durante a refeição”. Como sempre, concordei. Mas há uns vinte anos, foi inesquecível. O Zé é acreano (“O quê?! Nasce gente lá?”). Como o Armando Nogueira, o Adib Jatene e o político “polivalente” Jarbas Passarinho. Pois foi com o Passarinho que o Zé cruzou certa vez num aeroporto (Congonhas ou Galeão, Zé?) e eu ouvi o diálogo entre os dois, no balcão do cafezinho:

Passarinho: “Como vai o mais ilustre dos acreanos vivos?”.

Zé: “Não tão bem como o mais vivo dos acreanos ilustres”.

Não fosse tempo de ditadura, eu teria aplaudido ali essa sutil investida contra o “coronel light” do regime militar.

Grande Zé!

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