Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Balança caixão…

“Ovo choco; tá rachado. Quem rachou? Foi a galinha. Corre cotia, na casa da tia. Corre cipó, na casa da avó…”
“Ordem; seu lugar; sem rir, sem falar; um pé, o outro; uma mão, a outra; bate palma; trás com frente…”
“Céu, céu, céu! Inferno, inferno, inferno…”
“Três cascadas!”
“Bombeirinho buscar água…”
“Tudo o que seu mestre mandar…”
“Me dá foguinho… vai no vizinho…”
“O último que chegar é filho do padre!”
“Rapa, tira, pôe, deixa…”
Se nossas ruas falassem, o som da memória da cidade seria outro. Havia música no ar. Cantigas de roda, de ninar e de brincar. Não se ouve mais o alarido das crianças. Em vez dos alaridos, etampidos. A meninada fugiu pra dentro de casa –- numa brincadeira de esconde-esconde, agora macabra. Quem é descoberto morre. Quem não tem casa nem pai nem mãe virou pó de cocaína, fumaça de crack. Menor abandonado é filho do maior desempregado.
Alguém ainda sabe pular amarelinha? Brincar de roda? Passar anel? Jogar bolinha de gude… essa mesmo, pode chamar de “fubeca”, que quem foi bom na “birola” entende. Quem consegue correr com um ovo na colher presa nos dentes? Já apostou corrida de saco sem cair no chão?
Pulou corda? Deu com a cara na parede brincando de cobra-cega? Já foi pego pela mãe da rua? Passou segredos pelo telefone sem fio? Fez do poste da Tração um pique para escapar do seu pegador? Correu para a torneira do jardim da casa mais próxima, encheu a boca de água e despejou tudo aos pés o chefe da “carniça”? Nunca brincou de pula-sela ou o ‘chefe’ nunca mandou o “bombeirinho” buscar água?
O Brasil jamais teve tradição no beisebol, mas se bétis fosse esporte olímpico, todas as medalhas seriam dos nossos meninos de rua, das ruas de antigamente, palco desse beisebol caipira, de mais emoção. No handebol também não somos bela coisa, mas na queimada… O mundo ia ficar com as costas ardendo, de tanto levar bolada de moleques (e molecas) brasileiros.
Seu filho sabe rodar pião, jogar bilboquê, io-iô ou diabolô? Alguma vez você teve de dizer a ele: “Chega de brincar, venha para casa tomar banho e jantar!” Agora é tarde. Tudo o que brincamos virou obra de museu.
É o que a mestra Ida Carneiro Martins, do Colégio Notre Dame, contou ao repórter Glauco Cortez: “Apenas o espaço de uma geração bastou para extinguir uma cultura centenária transmitida oralmente – a cultura das brincadeiras de rua”. Ela apontou as causas maiores para o grupo de estudos do Departamento de Educação desta nossa casa. Violência; trânsito cada vez mais perigoso; mães tendo de trabalhar fora; fuga para prédios de apartamentos, atrás de segurança, e outra constatação cruel – a arquitetura dos prédios se esqueceu do espaço livre e aberto para crianças.
E o que nossos filhos vão contar para nossos netos? Aventuras perdidas em videogames, Nintendos, Doom, Quake, Duke Nuke, Carmagedon, Need for Speed, Diablo, Age of Empires, Tomb Rider… Tudo entre quatro paredes, diante de uma tela. Vida virtual, sem infância. E com que futuro?
Pregado no poste: “Vamos todos cirandar?”

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