Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Até a vaca perdeu o emprego

Um caso ali, uma notícia aqui, uma denúncia acolá, as histórias se juntam e, de repente, o espanto: “Ah, é é?”. Aí já é tarde.

Um caso aqui: na campanha, o Maluf alardeava o tal do programa “Leve Leite”, tentando levar no bico os eleitores. Nem esse leite do Maluf era capaz de gerar emprego, embora ele pregasse o óbvio, dizendo que “desemprego se combate com trabalho”. O leite servido às crianças paulistanas é leite em pó, importado da Argentina. Os eleitores argentinos agradecem, felizes, porque nenhum deles foi obrigado a votar nesse candidato, muito menos tiveram de ouvir sua ladainha no horário político. Quietinhos, aproveitaram a insensatez e garantiram empregos para suas vacas, retireiros e operários das indústrias de laticínios de seu país. Sorte dos argentinos que o Brasil tenha políticos capazes de defender os interesses deles.

Uma notícia ali: aqui pertinho, na cidade de Batatais, (ainda) existe uma tradicional cooperativa de leite que está “fazendo água”. Dia desses, ela perdeu seu maior cooperado, daqueles de entregar 2.500 litros de leite tipo “B” por dia, tirado de um belo rebanho de holandesas (vacas holandesas, bem entendido). Constatação do criador ao despedir suas vacas: “Não é possível gastar R$ 0,35 para produzir um litro de leite, ter de vendê-lo a R$ 0,32 e ainda concorrer com o leite em pó importado, subsidiado pelo governo do país produtor, e que chega ao Brasil por R$ 0,16, para virar leite de caixinha.”.

Uma denúncia acolá: “Existe uma operação triangular envolvendo o Mercosul, que prejudica a produção nacional: o leite em pó já chega subsidiado do mundo inteiro à Argentina e entra aqui com imposto zero — assim, ninguém agüenta”, esbraveja o diretor da cooperativa, assistindo impotente ao desemprego de suas vacas.

Ninguém está pedindo que o leite fique mais caro, mas ele está “secando” porque o Brasil não parece governado por brasileiros. Os governantes não são brasileiros ou não sabem nem fazer uma vaca trabalhar direitinho em benefício do povo. Será que só eles sabem mamar?

As histórias se juntam: de repente, um bando de crianças maravilhosas aparece na televisão fantasiadas como bichinhos de pelúcia, vendendo leite. Essa meninada, pouco mais do que bebês, cativou o público, das mamães aos seus filhinhos. Com tamanho poder de sedução, acabou o martírio de fazer criança tomar leite, graças aos macaquinhos, ursinhos, elefantes, onças, leões, girafas, sei lá… Uma verdadeira fauna infantil que todos gostariam de ter em casa.

E podem ter. É só trocar embalagens ou algo parecido por um desses animais sedutores. Um sucesso que já entrou para a história da publicidade brasileira. Até o fim da promoção, serão 23 milhões de bichinhos nos lares do Brasil. Lendo a notícia, fiquei intrigado quando vi esta informação:  “A empresa fretou seis (!) aviões (dois Antonov e quatro Jumbos), ao custo de US$ 2 milhões, para recompor rapidamente os estoques.”. São mais de mil pessoas trabalhando exclusivamente para repor os estoques. Pensei: “Bom, se as vacas perderam o emprego, pelo menos os bichinhos estão dando emprego…”.

Que nada. Sabe onde trabalham os “fazedores” desses bichinhos? Na China!

Pregado no poste: “Se a vaca vai pro brejo, o trabalhador brasileiro vai atrás”.

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