Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002Crônicas

As asas dos caipiras

Foi um vôo “pesado” aquele. Nenhum dos convidados queria embarcar – por dever de ofício, fui. Justo eu, que detesto avião e, mais ainda, ditadores e cúmplices de seus crimes. Era a primeira viagem da então chamada “Aviação de Terceiro Nível” no Brasil. De Congonhas para Araraquara, à bordo de um velho Viscount da Vasp, fretado pela ainda desconhecida Táxi Aéreo Marília, empresa de um visionário, sedutor, simpático, corajoso e, acima de tudo, brasileiro: Rolim Amaro.

Também por dever de ofício, acompanhei tim-tim por tim-tim o nascimento da aviação regional brasileira, sonhada por ele. Cada piscada do Rolim era notícia. Escrevia tudo. Grudei no homem, apostando no êxito – garantido — da sua aventura pioneira. Para cada reunião da diretoria, ele me convidava. E brincava: “Não precisam fazer a ata; é só recortar a reportagem de amanhã no Estadão e guardar na pasta.”.

Ele queria acabar com o domínio das empresas grandes, que só serviam às capitais, e oferecer “viagem de avião” aos moradores do interior do País. Acreditava na força dos caipiras. Seu plano era simples: levar os “botinas amarelas” para as capitais à bordo de aviões pequenos e econômicos, para alimentar os grandes vôos. Esse pequeno grande empresário garantiu uma sobrevida às grandes empresas até fazer da sua TAM também uma grande empresa, que jamais abandonou os caipiras. Deu certo.

E tudo começou naquele vôo para Araraquara, no fim de 1975, aquele mesmo vôo que todo mundo pensou que fosse terminar na decolagem, tamanha a carga de raiva que, em terra, havia contra um dos passageiros, o sinistro general Ednardo D’avilla Melo, cujos comandados tinham acabado de assassinar o jornalista Vlado Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, no DOI-CODI.

— Ô Rolim, você tem coragem de levar esse cara?!

— Fui obrigado, mas não há perigo, o inferno quer ele, não nós. Mas não me escreva isso, se não o que acaba é o sonho da aviação regional. Não compensa jogar tudo fora por causa de gente assim.

Pregado no poste: “Uns fazem história; outros, pré-história”.

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