Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Antes dos ‘gafanhotos’

São histórias contadas por Maria e Yolanda Barbosa da Cruz, de 86 e 82 anos, filhas da campineira Clotilde e do mecânico da Mogiana Alípio Franco da Cruz. São netas de Ambrosina e bisnetas do português Rufino Ladeira, o homem que nos anos 30 do século 19 trouxe a primeira máquina de costura para Campinas. Sabe-se lá de onde ele importou a engenhoca, mas deve ter sido um espanto. Naqueles tempos, Hércules Florence já aprontava da suas, conseguindo as primeiras fotografias; Carlos Gomes estava nascendo; o preto Elesbão foi enforcado e a cidade virava comarca. A memória está um tanto quanto apagada.
Mas elas se lembram dos “antigos” falando como era duro manter as roupas nos varais. “Já ventava muito em Campinas!” Não havia prendedores e quando eles surgiram no comércio, ganharam o apelido de ‘gafanhotos’. Prendiam-se as roupas em fios de arame farpado e elas ficavam todas furadinhas, se não fossem de tecido de algodão “bem resistente”. Vestidos de seda eram outra história. “Quando lavados, se fossem lavados, secavam à sombra. Varal para eles, nem pensar.”
Os vestidos eram tão compridos — a educação e o recato mandavam — porque tinham de esconder os pés. Expor o tornozelo ou um pedaço que fosse das canelas, um escândalo. E era proibido à mulher ter pés grandes. Nada de sapatões naquela Campinas. Como disfarçar? Maria e Yolanda ainda se lembram do segredo: as que não tinham vocação para Cinderela usavam botinhas, borzeguins ou sapatos com o salto colado na altura da planta do pé. “Doía, que era um martírio! Vovó dizia.” Quem visse não enxergava até o verdadeiro calcanhar. Difícil esconder.
Rapazes, no lugar que um dia viria ser a Treze de Maio, torciam para que moçoilas subissem nos bondes, ainda puxados a burro. Com um pouco de sorte, teriam assunto para um mês inteiro: “Guapa rapaziada, eu vi o calcanhar da senhorinha Emerenciana de dona Maricota. Uma graça, a gazela ao entrar no bonde!”.
Pensei: sabe porque os bondes acabaram? É que hoje, as saias são tão justas e curtas, que elas não conseguiriam erguer a perna até o estribo. Rasga tudo. Ou quase.
Pregado no poste: “Boa Páscoa!”

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