Moacyr Castro

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Álcool garante a proteína mais barata

RIBEIRÃO PRETO — O presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República um estudo comprovando que levedura seca de cana-de-açúcar é o suprimento alimentar protéico mais barato do mundo. O documento, elaborado pela SAE, indica também que o Brasil é capaz de reduzir as carências de proteínas e vitaminas de toda a sua população em idade escolar se ela consumir essa fonte, da qual o País é o maior produtor mundial.

Testes realizados por médicos nutrólogos, a pedido da Secretaria, em escolas públicas de cidades satélites de Brasília, revelaram melhor desempenho dos alunos, aumento das notas e queda dos índices de repetência. Na alimentação das crianças, foram adicionados apenas cinco gramas de levedura de cana por dia,  na refeição ou na merenda.

A levedura  resulta da fermentação do álcool. Cada litro produzido na destilaria pode fornecer 100 gramas de levedura. “É mais um presente do Proálcool que o mundo aproveita e o Brasil  joga fora”, lamenta o agrônomo Rui Fernando Pinotti que, em 1984, patenteou o método de obtenção dessa levedura e fez da Usina Santa Luiza, da cidade de Matão, a primeira produtora brasileira.

Enquanto no mercado externo a procura pela levedura de cana cresce de 20 a 30% ano, no Brasil, até no ano passado, o consumo era praticamente nulo. Em 1995, as usinas de São Paulo, único estado com fabricação regular, exportaram toda a sua produção de 35 mil toneladas. Este ano, fábricas de ração animal e frigoríficos passaram a incluir a levedura na dieta de crescimento e nutrição de frangos e suínos. Em 1997, entrará em funcionamento, em Lençóis Paulista, a primeira fábrica de levedura de cana para consumo humano, com capacidade de duas mil toneladas diárias.

A levedura de cana sai da usina por US$ 200 a US$ 250 a tonelada e chega aos países importadores por valores que variam de US$ 500 a US$ 700. Lá fora, ela compete em preço com a levedura de cerveja, vendida a cerca de US$ 1 mil. À exceção da Rússia e da África,o produto tem mercado em todos os continentes. Eles usam para alimentar rebanhos, mas a Ásia aplica a levedura no desenvolvimento da piscicultura,enquanto a Nova Zelândia já compra para consumo da população. Os maiores clientes são Taiwan, Alemanha e Estados Unidos. Grandes produtores de levedura de cerveja compram a de cana,  para atender a demanda.

Três anos de experiências com engenharia genética realizadas pela Faculdade de Química e Engenharia Molecular da Universidade de Brasília, em parceria com a Usina Jardest, da cidade de Jardinópolis, na região de Ribeirão Preto, revelam que a levedura misturada à ração animal aumenta a vida produtiva das galinhas,  melhora a textura dos ovos, antecipa o desmame de bezerros e acelera o crescimento dos peixes.

 

MAIS PROTEÍNA

 

A levedura de cana tem um teor médio de proteína de 40 a 42% e o farelo de soja, de 46%. Mas a de cana tem vitaminas, principalmente a vitamina “B”, ferro e sais minerais. De acordo com Rui Pinotti, “a proteína é mais rica quanto maior número de aminoácidos essenciais reunir em sua composição; a de cana tem 18,  metade em alta dosagem, acima das exigências do padrão da FAO”.

As pesquisas da Universidade de Brasília e da Usina Jardest visam elevar a carga protéica da levedura. “Já alcançaram índices de 60% ; é possível, também, aumentar a dosagem de um ou outro componente, valendo-se da engenharia genética”, revela João Carlos de Figueiredo Ferraz, diretor da usina.

A meta final do convênio da empresa com a universidade é produzir levedura seca para consumo da população. A Jardest foi a primeira usina brasileira a obter o produto pelo sistema spray dry — uma levedura fina, sem granulação, solúvel como o leite em pó instantâneo. Este ano, a usina produziu, em média, 7,5 toneladas por dia e, na próxima safra, fará de 10 mil a 12 mil toneladas.

 

“SOMOS BURROS ?”

 

O agrônomo Rui Pinotti, diretor da Usina Bonfim, da cidade de Guariba, avalia que para as usinas de açúcar, a produção de levedura pode representar um aumento de apenas 0,5% no faturamento. “Mas do ponto de vista social, o impacto do consumo será brutal; é um valor que não se contabiliza financeiramente, mas socialmente”, compara Pinotti.

Ele diz que para a população o custo sai muito baixo. E faz as contas: se cada litro de álcool rende 100 gramas de levedura e o Brasil produz 13 bilhões de litros de álcool anidro e hidratado a cada safra, o País poderá colocar no mercado l,3 milhão de toneladas por ano. Os médicos nutrólogos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República afirmaram, na vista que fizeram a usinas da região de Ribeirão Preto, que cinco gramas diárias por pessoa de levedura bastam para suprir as carências protéicas da população escolar. A R$ 200 a tonelada, essa “dose” de cinco gramas sai por R$ 0,00l (um milésimo de Real) por criança, por dia. “Nenhuma fonte protéica é tão barata”, garante Pinotti.

Quando a safra de cana termina na região de Ribeirão Preto, não se encontra um grama de levedura nas usinas. Até o ano passado, tudo era exportado. “O que se produzir o mundo compra”, afirma Glaico Duarte Santos, diretor da ICC Comércio & Exportação, de São Paulo, a maior exportadora e distribuidora no mercado interno de levedura de cana do Brasil. “O que o mundo descobriu há algum tempo, empresas brasileiras formuladoras de ração passaram a se interessar agora. Até aqui, vimos, espantados, que os países mais desenvolvidos compram e valorizam um produto nosso e que nós jogávamos fora: somos burros ou burros são eles?”

Glaico não perde nenhuma feira de alimentação que se realiza no Brasil e, principalmente, no Exterior. A tendência agora, segundo ele, é a introdução da levedura na dieta humana, começando pela merenda escolar.

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