Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2008Crônicas

A última

Está no Código Civil, Artigo n.º 603: se você encontrar algum objeto ou valor em dinheiro, deve ser entregue a alguma autoridade constituída. Esse objeto não lhe pertence. Mas também está no mesmo Código que o dono do objeto que você encontrou tem de premiá-lo, como recompensa pela devolução, e indenizá-lo pelas despesas que você teve pela guarda e transporte do objeto ou valor que você achou.

Sabia? Nem eu. Portanto, esse dito popular é obra de algum cumpridor da “Lei de Gerson” e induz a um crime.

É tão raro alguém entregar ao verdadeiro dono o que achou que, quando acontece, vira notícia; merece aplausos e cartas de leitores em jornais; aparece no Jornal Nacional; é chamado de ‘gracinha’ pela Hebe; vai cozinhar na Ana Maria Braga; faz a dança do siri (sei lá o que é isso, mas como está todo mundo fazendo…). Se for mulher e o ‘fotoshope’ disfarçar bem, ainda sai na Playboy.

Essa badalação cruel mede o nível de honestidade de um povo: quanto menos honesta é a conduta, mais se destacam seus gestos de honestidade. Uma vez, seo Cunha Mendes e este locutor que vos escreve inventamos de promover a honestidade pela Rádio Cultura. E honestidade patrocinada – pelo extinto Jumboeletro. Quem achasse algo ou mesmo dinheiro e entregasse no estande da rádio lá no supermercado da Orosimbo Maia, ganhava de brinde um long play (sabe o que é isso?). O apelo para atrair os ouvintes era “Quem perdeu achou; quem achou ganhou”. O honesto tinha direito de ver sua foto publicada no “Correio Popular”. Deu certo! Até que descobrimos a razão de tanta e repentina honestidade: tinha gente fingindo que perdeu só para ganhar um long play.

(Lei de Gerson. É aquela gente que criava ratos para vender ao governo na campanha contra a peste bubônica.)

Mas há exceções: o caminhoneiro Valdir Costa dos Santos teve nas mãos o dinheiro de quase dois anos de trabalho, conta a repórter Mona Hussein, do jornal “Bom Dia”, de Rio Preto. Ele achou R$ 17 mil dentro de uma bolsa caída no estacionamento de um posto na beira da BR-153, perto de Promissão, no domingo, mas devolveu tudo. Passou dois dias à procura do dono do dinheiro, o agrônomo José Carlos Oliveira. Ele diz que tentou de todo jeito fazer Valdir, que ganha R$ 850 por mês, aceitar recompensa, mas não houve jeito: “Como vou aceitar recompensa por devolver algo que não é meu?”, disse Valdir, em lágrimas, vestido com camisa verde-amarela diante do Scania verde-amarelo.

Pregado no poste: “A esperança só é a última que morre, se os políticos morrerem primeiro”

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