Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2006Crônicas

A culpa é dos porcos

O outro lado da notícia sobre as enchentes que afogam Campinas não é só a Prefeitura, pouco acostumada a cuidar da cidade e dos cidadãos, mas é, principalmente, os porcos travestidos de campineiros que há muito infestam nossas vidas. Basta olhar para aquilo que bóia nas águas da chuva que não conseguem caminhos para escoar.

Deixaram a nossa terra virar um dos maiores depósitos de lixo do Brasil. Andar por Campinas é percorrer uma paisagem imunda, também percorrida por vândalos que vêem – raros – cestos de lixo espalhados aqui e ali, mas preferem atirar tudo o que não presta ao chão — talvez porque esse chão imundo se pareça com a casa deles, incluindo as camas, fogão, geladeira, mesa e o velho guarda-comida. Não devem faltar nem os ratos, criados para deixar o hábitat parecido. De bonito, quase mais nada, algumas árvores, disfarçando a feiúra de quem passa por ali.

Qualquer um perceberá as preferências do paladar e os hábitos de consumo desses sujos d’alma, corpo e coração: garrafas vazias de vodka, vinhos tintos e uísque nacionais e importados; vasilhames “long neck” e latinhas de cerveja e de refrigerante; embalagens descartáveis de sucos de frutas e de iogurte; centenas de copos de plástico; sacos de supermercados; caixas de papelão para salgadinhos das lanchonetes, botequins e padarias; potes de sorvete, guardanapos usados de papel – às vezes, papel higiênico mesmo; perigosas lâmpadas fluorescentes queimadas, pilhas vencidas e camisinhas e modess idem; pneus carecas de carros, motos e bicicletas. Mais: sacos de doce e batatas fritas; suspeitíssimas cargas vazias de esferográficas e canudos, além de frascos de colírios…; maços e tocos de cigarro aos montes; colheres e pratinhos para bolo; pés de tênis, sapatos, chinelos e sandálias; caixas de bombons, folhetos de propaganda, cocos bebidos, colchões velhos ou pouco usados por casais já arrependidos, lixo hospitalar – é a grande ‘minestra’ de meleca que emerge da vida daqueles que não gostam de nós.

As árvores, sob as quais os caminhantes se protegem do verão, já são atacadas por vândalos, formigueiros, xixi e outras coisas de cachorro com ou sem dono. Alguns, mais apaixonados, até deixam a identidade marcada a canivete nos troncos, com o nome de parceiras enamoradas – claro, há quem se enamore por qualquer espécie de inúteis. Outras árvores nem cresceram direito e já são vítimas da violência. Estão vergadas por prováveis chutes e safanões de pessoas talvez embriagadas, frustradas ou iradas. Outras foram arrancadas, mesmo. Basta contar quantas molduras no chão estão vazias, anunciando que ali, em algum tempo, viveu uma árvore e só ficou a terra nua.

Tanto descuido, que a erosão já come o solo pelas bordas. Entranhas expostas da terra exibem raízes e escondem mais lixo. Dele sobem, em espiral, nuvens de mosquitos, tão pequenos que só se vêm contra a luz do sol.

Tanto lixo que, em breve, há o risco de não se saber se por aqui passou gente algum dia ou só pilantras fedorentos. Tanto lixo que já existe até quem viva dele. Latinhas de cerveja e refrigerante escasseiam nessa imundície. Elas são compradas na praça a R$ 3,05 o quilo.

Depois de uma chuva, começa o desfile de podres alegorias: cadeiras de área – aquelas de plástico –, toldos, cachorros e gatos mortos, dilacerados por ratazanas famintas. Se observar bem, veremos peixes. Neste calor, a meninada também nada, escondida, sem medo de tanta sujeira, porque pais ou (ir)responsáveis não sabem que ali também nada o perigo – a leptospira.

E nesse cenário de horrores, estampa de marcas e logomarcas valiosíssimas, de credibilidade conquistada há anos, aparecem como o luxo e a nata do lixo. Talvez fosse o caso de fabricantes de macdônaldes, kibons, chivas, brahmas, antárticas, druris, cocas, pepsis, roliudes, riboques, rainhas, firestones, castores, danones e danoninhos, samelos, neves e primaveras, jontéquices, bics, raiovaques e raios que os partam pregar uma advertência em cada embalagem: “Este produto faz mal aos porcos”.

Pregado no poste: “Quem diria, caro seo doutor Hélio! Prefeito de pocilga! Rolete neles!”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *